Uma Aula sobre ÉTICA

segunda-feira, 9 de outubro de 2006 |


Diante do momento político em que vivemos, achei oportuno refletir sobre o assunto contando uma história:
Era Setembro de 1981. Eu estava no último ano do Magistério e estagiava numa escola estadual, numa comunidade muito pobre e que ainda atendia alunas de um já extinto abrigo de minha cidade. Aquelas meninas tinham tantas carências e ainda sofriam discriminação dentro da própria comunidade, pois todas não tinham família e algumas até já haviam cometido alguns delitos.
Observei bastante e resolvi "atacar" pela carência mais imediata: a alimentar. Peguei um monte de livros de Paulo Freire, montei um projeto, iniciamos uma horta, e como sempre fui "intrometida", entrei em contato com a merendeira da escola, pesquisamos receitas, montamos verdadeiras aulas de culinária. As meninas começaram a participar, a violência entre elas diminuiu bastante e o simples fato de poderem escolher o que comer já as animavam!
Belo dia, durante o almoço, achei o menu muito "fraquinho"...muita abóbora e nenhuma carne-seca. Achei estranho, pois a dispensa era quase sempre farta, mas...


Mais tarde, percebi que havia esquecido uns cadernos na cozinha e fui até lá. Ao chegar vi a merendeira e as serventes dividindo quilos de carne seca!
Não disse uma palavra: saí e fui falar com a diretora, que me respondeu:
_ Minha filha, você tem certeza do que está falando? Não deve ser bem assim...
Respondi então _ Bem, se não acredita, vá até lá e verifique, elas não devem ter ido embora ainda!
E ouvi a seguinte resposta: _ Não vou me expor a um papel desses! Você não conhece a realidade, as coitadas estão sem salário há três meses e a merendeira tem marido doente e três filhos pra criar.
Não falei mais nada. Saí da sala me perguntando porquê os filhos dela não estudavam na escola e fui para casa com minha cabeça de 18 anos fervilhando: aquilo não era justo, não era correto!
No dia seguinte, na minha escola, relatei o ocorrido`a minha coordenadora, a pessoa mais adimirável e a profissional mais correta que já conheci até hoje (que Deus a tenha entre os anjos!) , que me disse:
_ Infelizmente, este fato traduz algo muito difícil de ensinar na teoria de qualquer curso profissionalizante: isto é uma questão ÉTICA.
Juro que até então nunca tinha escutado esta palavra. No máximo havia escutado algo como "ética médica".
Hoje, tornou-se rotina na boca de muitos que sequer sabem direito seu significado.
Depois de muito pensar, minha coordenadora perguntou o que eu achava que devíamos fazer? Afinal, o fato era comigo, sua interferência deveria basear-se democraticamente na minha opinião.
Minha veia latina pulsou: " Denunciar todo mundo!!"
Então tive que por os pés no chão: ela teve de me lembrar que só estava lá de passagem, que, um dia, se escolhesse aquele caminho, poderia até voltar, mas não tinha nenhum PODER naquele momento...
_Aguarde que vou achar uma solução, disse minha mentora.


Eu deveria voltar à escola dois dias depois, mas no dia seguinte, fui avisada: a escola rescindiu o acordo com nosso curso, vocês agora vão estagiar na creche da igrejinha.
Fiquei irada, revoltada, aquelas crianças tinham perdido 5 professoras, cada uma com um projeto mais bacana e cheias de vontade de aprender e trabalhar!
Fiquei sabendo que a Diretora havia dito que tudo era "fantasia de uma menina metida á revolucionária"...

Até hoje, aos 43 anos, me pergunto: quem saiu realmente perdendo com tudo isso?
Quem sempre perde: aquelas meninas que mais uma vez foram abandonadas.
Minha inexperiência em lidar com as mazelas do ser humano interrompeu o que poderia ter sido uma boa experiêcia para aquelas meninas e para mim mesma...
Por isso, até hoje, sempre desconfio quando vejo alguém aos berros pela moral, pela ética, acusando e julgando como se estivesse acima de tudo!

PS: Dedico este Post à memória de minha inesquecível mestra e amiga

0 comentários: